quarta-feira, 28 de maio de 2014

Tentativas

                                                                          




        Desde pequeno sempre gostei de estudar. Tinha meus sentidos refinados para a leitura. Meu prazer era mergulhar nas palavras, pegava pedaços de papel, revistas, jornais, tudo que tivesse ao meu alcance apenas para degustar uma boa leitura. Isso não era normal para crianças da minha época. Eram poucos que gostavam de estudar, e muito menos ler livros e artigos científicos. Enquanto muitos alunos bagunçavam no pátio da escola, eu era o único que ficava escondido na biblioteca folheando diversas páginas de livros. Amava as ilustrações, os contos, histórias em quadrinhos, tudo me fascinava. Tinha apenas um grande problema que me diferenciava do restante da turma: “Burocracia comunicativa”. E que bicho seria isso? Seria algo como não gostar de participações em atividades de grupo, ou algo que envolvesse apresentações de trabalhos em sala de aula. Talvez isso explicasse o fato de me prender na biblioteca, ou até mesmo ficar na solitária, refletindo sobre as páginas de um livro. Eu não gostava de ler, fazia aquilo como passa tempo, e como forma de esconder o meu tédio de participações em atividades que envolvesse minha capacidade de comunicação.
       No futuro isso seria meu monstro. Como era de se esperar nunca ficava reprovado nas provas escritas, graças as minhas degustações literárias, e o meu poder de interpretações de texto. Ao mesmo tempo em que tinha uma mente brilhante na escrita, também tinha uma frustração pessoal e emotiva. Eu era um bipolar e não sabia. Justamente por que a bipolaridade revelava em mim os dois sentidos que me colocavam diante dos meus colegas como um duplo personagem. Um dia branco e o outro preto. Algo como a metade de duas faces, alegre antes do recreio, irritado após a recreação. Parece que em mim flutuava essas duas figuras de linguagem. Até imaginei que tivesse um lado do meu cérebro alterado, ou que o mesmo não funcionasse de forma correta e coerente. Isso era meu lado obscuro, mais que me ajudava a desenvolver minha degustação por leituras prolongadas. Graças a isso, desenvolvi inúmeras habilidades com a escrita, e com os sons. Aprendi a música de forma magnífica, toda sorte de teoria musical entrava na minha alma, e compassadamente eu aprendia o seu ritmo. Não conformado com o dote de escrever e tocar instrumentos sacros fazia muitos cursos profissionalizantes. Queria ultrapassar a concorrência. Se tivesse alguma coisa que me incomodasse, seria pensar sobre os métodos sociais. Eu era como um sociólogo prematuro, um filosofo por natureza, e minhas questões existenciais me incomodavam. Queria respostas para tudo. O que era o que seria, por que, como, esses fragmentos de dúvidas e interrogações perturbavam minha mente. Tão logo comecei a responder tudo a minha volta, filosofando as palavras, criando minhas próprias teorias sociais.
       Competir para mim não era uma das melhores coisas. Meu maior tédio era saber que essas coisas existiam, e que por cima de tudo, eu deveria participar de suas regras para poder sobreviver na sociedade. Por isso ao perceber que os cursos me colocavam num degrau a mais dos meus concorrentes, gastei meus recursos com certificados e cursos. Cursar qualquer coisa não significava problema para mim. No entanto existia uma enorme diferença entre aprender e praticar. Sempre fui o mestre da teoria, do conceito, e um fracasso na prática das ações. Isso me ajuda a entender meus inúmeros fracassos em oportunidades de empregos. Meus pacotes de certificados aumentavam a cada dia. Eu crescia no estoque de certificações mínimas e se esquecia das certificações máximas. Carregar numa maleta grandes blocos de cursos profissionalizantes, não me conduzia ao sucesso esperado. E o mais impressionante, como alguém como eu poderia viver totalmente sem emprego, na zona do rebaixamento, com todas as qualificações teóricas possíveis para se candidatar as vagas do mercado? Meu bicho papão seria divulgar os meus dotes, algo que já me atrapalhava desde infância. Lembra das primeiras frases que eu falei? Disse que tinha capacidade para ler e escrever, ou simplesmente ficar filosofando as coisas da vida. Mais no quesito de trabalho eu demonstrava o mau que tinha na época escolar. Entendi que as partes dependem dos complementos, e que ser intelectual num mundo tão cruel como esse, não bastava. Quem seria meu empregador? Seriam meus livros, minhas redações, minhas teorias de vida? Aquilo era tudo, e talvez uma jóia rara no mundo teocêntrico da ciência moderna, ou mesmo no campo da pesquisa investigativa. No entanto quem seria meus patrocinadores?Quem acreditaria nas minhas fábulas e contos? Quando descobri essa falha já estava casado. Não era um adulto completo, não tinha uma mente formada, mais percebia que alguma coisa estava errada no meu mundo. Então comecei a tentar... Tentei por várias vezes, o suficiente para conseguir superar o meu lado dividendo. O lado bipartido começou a se unir.
     Aos poucos aquelas manifestações que me conduziam ao fracasso, não eram o suficiente para me paralisar nas minhas metas. Tentar não era problema, mais a burocracia social e comunicativa continuava me atrapalhando. Eu precisava vencer aquilo, antes que custasse minha vida e meus relacionamentos. Fui tentando... Mais o monstro do azar atrapalhava tudo que fosse de sorte ao meu alcance. O jogo parecia está perdido para mim, mais não totalmente. Sempre fui uma pessoa que nunca tive uma sorte digamos “brilhante”. Todos os sorteios para mim era um fiasco, algo não queria que eu vencesse. Mais minhas tentativas foi quebrando esse mau. Eu não iria parar enquanto não acabasse com esse demônio. Não sei se consegui destruí-lo, mais uma coisa será eternamente certa, que tentar será sempre o meu forte. Tentarei até vencer, e se não for possível, pelo menos fico agradecido por não ser um covarde e desistente. Mais vale mil tentativas fracassadas com aprendizado, do que uma estúpida sorte que nos coloca rapidamente no alto, mais que o preço final é o vazio. E nesse caso eu não teria histórias para contar, sorte assim não seria muito eficaz. Por isso encerro meus agradecimentos ao meu monstro do azar. Ele tentou... Eu tentei... Mais no final das contas eu é que sai ganhando.

     

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