Desde pequeno sempre gostei de estudar.
Tinha meus sentidos refinados para a leitura. Meu prazer era mergulhar nas
palavras, pegava pedaços de papel, revistas, jornais, tudo que tivesse ao meu
alcance apenas para degustar uma boa leitura. Isso não era normal para crianças
da minha época. Eram poucos que gostavam de estudar, e muito menos ler livros e
artigos científicos. Enquanto muitos alunos bagunçavam no pátio da escola, eu
era o único que ficava escondido na biblioteca folheando diversas páginas de
livros. Amava as ilustrações, os contos, histórias em quadrinhos, tudo me fascinava.
Tinha apenas um grande problema que me diferenciava do restante da turma: “Burocracia
comunicativa”. E que bicho seria isso? Seria algo como não gostar de
participações em atividades de grupo, ou algo que envolvesse apresentações de
trabalhos em sala de aula. Talvez isso explicasse o fato de me prender na
biblioteca, ou até mesmo ficar na solitária, refletindo sobre as páginas de um
livro. Eu não gostava de ler, fazia aquilo como passa tempo, e como forma de
esconder o meu tédio de participações em atividades que envolvesse minha capacidade
de comunicação.
No futuro isso seria meu monstro. Como
era de se esperar nunca ficava reprovado nas provas escritas, graças as minhas
degustações literárias, e o meu poder de interpretações de texto. Ao mesmo
tempo em que tinha uma mente brilhante na escrita, também tinha uma frustração
pessoal e emotiva. Eu era um bipolar e não sabia. Justamente por que a
bipolaridade revelava em mim os dois sentidos que me colocavam diante dos meus
colegas como um duplo personagem. Um dia branco e o outro preto. Algo como a
metade de duas faces, alegre antes do recreio, irritado após a recreação.
Parece que em mim flutuava essas duas figuras de linguagem. Até imaginei que
tivesse um lado do meu cérebro alterado, ou que o mesmo não funcionasse de
forma correta e coerente. Isso era meu lado obscuro, mais que me ajudava a
desenvolver minha degustação por leituras prolongadas. Graças a isso,
desenvolvi inúmeras habilidades com a escrita, e com os sons. Aprendi a música
de forma magnífica, toda sorte de teoria musical entrava na minha alma, e
compassadamente eu aprendia o seu ritmo. Não conformado com o dote de escrever
e tocar instrumentos sacros fazia muitos cursos profissionalizantes. Queria
ultrapassar a concorrência. Se tivesse alguma coisa que me incomodasse, seria
pensar sobre os métodos sociais. Eu era como um sociólogo prematuro, um
filosofo por natureza, e minhas questões existenciais me incomodavam. Queria
respostas para tudo. O que era o que seria, por que, como, esses fragmentos de
dúvidas e interrogações perturbavam minha mente. Tão logo comecei a responder
tudo a minha volta, filosofando as palavras, criando minhas próprias teorias
sociais.
Competir para mim não era uma das
melhores coisas. Meu maior tédio era saber que essas coisas existiam, e que por
cima de tudo, eu deveria participar de suas regras para poder sobreviver na
sociedade. Por isso ao perceber que os cursos me colocavam num degrau a mais
dos meus concorrentes, gastei meus recursos com certificados e cursos. Cursar qualquer
coisa não significava problema para mim. No entanto existia uma enorme
diferença entre aprender e praticar. Sempre fui o mestre da teoria, do
conceito, e um fracasso na prática das ações. Isso me ajuda a entender meus
inúmeros fracassos em oportunidades de empregos. Meus pacotes de certificados
aumentavam a cada dia. Eu crescia no estoque de certificações mínimas e se
esquecia das certificações máximas. Carregar numa maleta grandes blocos de
cursos profissionalizantes, não me conduzia ao sucesso esperado. E o mais impressionante,
como alguém como eu poderia viver totalmente sem emprego, na zona do
rebaixamento, com todas as qualificações teóricas possíveis para se candidatar
as vagas do mercado? Meu bicho papão seria divulgar os meus dotes, algo que já
me atrapalhava desde infância. Lembra das primeiras frases que eu falei? Disse
que tinha capacidade para ler e escrever, ou simplesmente ficar filosofando as
coisas da vida. Mais no quesito de trabalho eu demonstrava o mau que tinha na
época escolar. Entendi que as partes dependem dos complementos, e que ser
intelectual num mundo tão cruel como esse, não bastava. Quem seria meu
empregador? Seriam meus livros, minhas redações, minhas teorias de vida? Aquilo
era tudo, e talvez uma jóia rara no mundo teocêntrico da ciência moderna, ou
mesmo no campo da pesquisa investigativa. No entanto quem seria meus
patrocinadores?Quem acreditaria nas minhas fábulas e contos? Quando descobri
essa falha já estava casado. Não era um adulto completo, não tinha uma mente
formada, mais percebia que alguma coisa estava errada no meu mundo. Então
comecei a tentar... Tentei por várias vezes, o suficiente para conseguir
superar o meu lado dividendo. O lado bipartido começou a se unir.
Aos poucos aquelas manifestações que me
conduziam ao fracasso, não eram o suficiente para me paralisar nas minhas
metas. Tentar não era problema, mais a burocracia social e comunicativa
continuava me atrapalhando. Eu precisava vencer aquilo, antes que custasse
minha vida e meus relacionamentos. Fui tentando... Mais o monstro do azar
atrapalhava tudo que fosse de sorte ao meu alcance. O jogo parecia está perdido
para mim, mais não totalmente. Sempre fui uma pessoa que nunca tive uma sorte
digamos “brilhante”. Todos os sorteios para mim era um fiasco, algo não queria que
eu vencesse. Mais minhas tentativas foi quebrando esse mau. Eu não iria parar
enquanto não acabasse com esse demônio. Não sei se consegui destruí-lo, mais
uma coisa será eternamente certa, que tentar será sempre o meu forte. Tentarei
até vencer, e se não for possível, pelo menos fico agradecido por não ser um
covarde e desistente. Mais vale mil tentativas fracassadas com aprendizado, do
que uma estúpida sorte que nos coloca rapidamente no alto, mais que o preço
final é o vazio. E nesse caso eu não teria histórias para contar, sorte assim
não seria muito eficaz. Por isso encerro meus agradecimentos ao meu monstro do
azar. Ele tentou... Eu tentei... Mais no final das contas eu é que sai
ganhando.
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